Produção expõe os perigos do ódio online e a influência das experiências infantis no desenvolvimento emocional dos jovens
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A nova série da Netflix, Adolescência, tem gerado discussões intensas ao abordar temas como misoginia, bullying e a cultura Incel – um movimento online onde homens expressam frustração e ódio por não se considerarem “adequados” para relacionamentos amorosos. Para o psicólogo Alexander Bez, a produção serve como um alerta sobre os perigos dessa mentalidade e suas possíveis consequências na juventude.
“A série trata a rejeição amorosa com uma intensidade muito grande ao retratar o Incel, que significa Involuntary Celibates, ou seja, celibatários involuntários. São homens que gostariam de ter relacionamentos, mas enfrentam dificuldades por não se sentirem adequados”, explica Bez. Ele acrescenta que esse sentimento de inadequação pode levar à misoginia e ao ódio direcionado tanto a mulheres quanto a outros homens que não compartilham da mesma frustração.
A narrativa também evidencia o impacto das redes sociais na radicalização desses jovens. “O Incel é um fenômeno principalmente impulsionado pelo ambiente digital, onde o ódio é reforçado através da rejeição. O cyberbullying, por exemplo, pode ser um gatilho para depressão, suicídio e até homicídio, alimentado por um desejo de vingança pessoal”, analisa Bez.
Além de expor essa problemática, a série traz uma importante reflexão sobre a necessidade de combater o discurso de ódio online e promover a saúde mental dos adolescentes. “A mensagem que deveria perdurar é que nada daquilo deve acontecer na conduta com as meninas”, ressalta o psicólogo.
A influência da infância na formação emocional dos adolescentes
A repercussão de Adolescência também levantou debates sobre a influência das vivências infantis na juventude. A neurocientista e especialista em desenvolvimento infantil Telma Abrahão aponta que as experiências nos primeiros anos de vida podem exercer um papel significativo no desenvolvimento emocional e social dos adolescentes.
“O cérebro humano tende a se moldar conforme as experiências vividas na infância, quando as conexões neurais estão em pleno desenvolvimento. Muitas vezes, os pais não percebem que as dificuldades enfrentadas pelos adolescentes podem ter raízes nos primeiros anos de vida”, observa Telma.
Ela destaca que fatores como negligência emocional, medo constante ou vínculos inseguros podem influenciar a forma como o cérebro se desenvolve ao longo do tempo. “O cérebro parece ser altamente sensível ao ambiente infantil. Quando uma criança vive sob estresse crônico, o eixo HPA (hipotálamo-hipófise-adrenal) pode ser ativado de forma recorrente, liberando cortisol em níveis elevados. Esse estresse tende a impactar regiões do cérebro relacionadas à regulação emocional e à tomada de decisões”, explica a neurocientista.
O impacto dessas experiências pode ser percebido na adolescência, afetando o controle de impulsos e a reatividade emocional. Segundo Telma, isso pode tornar os jovens mais vulneráveis a explosões de raiva, dificuldades em lidar com frustrações e comportamentos de risco, como automutilação e uso de substâncias.
Estudos do Centers for Disease Control and Prevention (CDC) indicam que adolescentes que passaram por adversidades na infância têm de duas a cinco vezes mais chances de desenvolver problemas emocionais, como depressão e vícios. No entanto, Telma ressalta que o cérebro possui plasticidade, o que significa que mudanças ainda são possíveis. “Mesmo que a infância tenha sido marcada por desafios, o vínculo emocional com os pais na adolescência pode ser reconstruído”, afirma.
Para a especialista, o papel dos pais pode ser essencial, independentemente da fase em que os filhos se encontram. “Nunca é tarde para promover mudanças. O apoio emocional, a escuta ativa e a oferta de limites respeitosos podem ser ferramentas poderosas de reparação”, conclui Telma.
Dessa forma, Adolescência não apenas expõe os riscos do universo Incel e da cultura do ódio, mas também reforça a importância do cuidado emocional desde a infância, destacando que a construção de uma adolescência saudável pode começar nos primeiros anos de vida.
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